segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Aqui é mais quentinho e divertido

Prezados amigos, recebi e-mails perguntando sobre o que aconteceu ao Voyeur. A resposta é bem simples. Eu morri. Sim. Pode parecer mentira. Mas, como vocês sabem, não sou dado a mentiras. Pode parecer ainda absurdo. Só que também não me alimento de nada que não seja real, concreto. Como diz o povo, saco vazio não fica de pé. Eu morri, amigos. Morri mesmo. Espero que não fiquem assustados. Nem tampouco tristes. Esta não é uma carta de suicida. Não tento justificar a minha morte. Somente avisar aos amigos que continuo em atividade. Num lugar um tanto quanto peculiar. Mas de intensidade intelectual. Talvez maior do que em qualquer outro sítio. Além do mais, aqui é mais quentinho e divertido. E, para provar que falo a verdade, fotografei uma pobre alma limpando os portões do Inferno.

terça-feira, 10 de julho de 2007

Meus amigos, peço desculpas pelos dias de silêncio. Como havia comentado, meu blog depende daquilo que vejo. Ou melhor: do que me proporcionam ver. Já há dias ocorre uma espécie de greve de espetáculo na vizinhança. E, por não gostar de embromação, preferi calar-me. Mas hoje finalmente alguém jogou a bóia e me salvou. Foi Danuza. Sem saber, Danuza garantiu a continuidade deste microcosmos do qual não faz a menor idéia. Sim, amigos. Danuza abriu-me a sua janela. Deixou escapar sua adorável existência através do vidro. Por entre venezianas e adesivos de marcas. Confesso que experimentei enorme felicidade. Observei que meus sentimentos por Danuza cresceram deveras desde a última vez em que a vi. Não sei como, nem por que. Gosto de fato de Danuza. Desconheço seu verdadeiro nome, sua voz, cheiro. Desconheço o que quer que seja de Danuza. Talvez esse seja o melhor da história. Assim Danuza se torna mais minha. Mais legítima. Original. Mesmo a tendo flagrado em companhia de um homem. Mesmo a tendo flagrado em intimidades com outro macho. Não me importa. Aquele homem não possuía a minha Danuza. Não calculava a santidade que há em Danuza. Estava limitado a uma instância pragmática de Danuza. Não transcendia.

quinta-feira, 5 de julho de 2007

"O senhor pensa que vê"

Tomei vergonha na cara. Fui ao oftalmologista. As dores de cabeça voltaram. Minha vida tornou ao inferno. Liguei para mamãe. Pedi uma indicação. Vai no Berembaum, ela disse. Berembaum é da comunidade judaica. Conselheiro da FIERJ, Federação Judaica do Rio de Janeiro. Os judeus têm disso. Uns acabam como clientes dos outros. Instinto de sobrevivência de um povo milenar. Fui no Berembaum. Ele me examinou. Botou aquele diabo de letras para eu dizer. Eu dizia. Mais medições. Mais luzes na minha cara. Aquilo já estava me enchendo a paciência. Botou novamente as letras. Eu disse a porra que enxergava. Então ele me perguntou: o senhor vê bem? Eu: como assim? Ele: como assim o quê? o senhor não sabe se vê? Eu: claro que sei. vejo. vejo muito bem, obrigado. Ele coçou a calva. Deu um sorrisinho irônico. Escroto. Disse: não, não. o senhor pensa que vê. Médico filho-duma-puta. Eu odeio médicos. Estão sempre nos adoecendo para enchermos seus bolsos. Quis enfiar um murraço na cara do tal Berembaum. Mas sou um cara educado. Simplesmente enfiei a viola no saco. Fui embora. "O senhor pensa que vê". Já ouviram uma dessa antes? O pior é que quem vinha farejando ficcionalidade neste blog agora não terá mais dúvidas. Não nego a hipótese. Até pode ser ficcional. Mas é a mais pura verdade.

terça-feira, 3 de julho de 2007

Zuleica



Não se fala em outra coisa que não a guerra contra os traficantes do Complexo do Alemão. Ah sim... os três gols de Robinho contra o Chile. Os brasileiros com seus sebastianismos futebolísticos! Acordei às três da manhã. Não havia nada para ver na televisão. Infelizmente não assino os canais a cabo. Fui para a janela. Nem viv'alma no prédio em frente. Aliás não tenho visto nada de interessante. É tudo uma pasmaceira. Ninguém chega à janela. Cortinas fechadas. Persianas abaixadas. Revejo as fotos do senhor Arnóbio, de dona Vilma, de Danuza. Uma espécie de estímulo para escrever. Passei pelo blog de um rapaz que abandonou a blogosfera. Deve haver vários assim. Nem faço idéia. Olhei as postagens com poucos comentários. Suponho que ele tenha se aborrecido com a baixa freqüência. Eu estou aborrecido com a miséria visual que meus vizinhos vêm me oferecendo de anteontem para cá. Se continuar assim, não terei nada para escrever. Nada tenho a contar aos amigos que vieram cá me visitar. Apenas que reparei no prédio ao lado uma figura desconhecida. Pelo menos para mim. É Zuleica. Uma mulher chique, que varre sua varanda a meio da manhã. Toda enfeitada. Maquiada. O oposto da Mãe da Família Infeliz. Zuleica ornamenta-se para ficar em casa. Lembra-me um pouco a solidão esperançosa do senhor Arnóbio. Pena a diferença de idade entre ambos ser enorme.

sexta-feira, 29 de junho de 2007

A família infeliz

Antes de mais nada, gostaria de agradecer os votos de saúde. Acho que funcionaram. Há dois dias, minha enxaqueca desapareceu. O que não desapareceu foi essa curiosidade desgraçada pela vida alheia. Que, cá entre nós, não se trata de vida alheia. Não que me considere uma Madame Bovary. Enfim. Não vale a pena desenvolver a questão. Enquanto retomo minhas atividades literárias, vejo daqui a janela da Família Infeliz aberta. Não posso deixar de aproveitar a cena que observo. Pai, Mãe e dois filhos jantam. O Pai é um sujeito de seus quarenta anos. Barba sempre por fazer. Camisa amarrotada. Expressão de desgosto pela vida. Parece um derrotado. A Mãe esforça-se por manter o apartamento organizado. Suponho que seja mais nova que o marido. Arruma-se para sair. Mas em casa permanece como um trapo. Aparenta mais idade assim. Admiro seu gosto pela ordem. Acorda cedo como eu. Molhamos as plantas quase simultaneamente. É uma coisa espontânea. Quando me apercebo, estamos com o regador em mãos. Ela também tem uma samambaia. Muito bela por sinal. Causa-me inveja. Uma planta saudável. Cheia. Um oásis de beleza dentro do caos. Os filhos são bagunceiros. Fogem ao controle da mãe. Um casal. O menino é o mais velho. Bate na irmã. Ainda não tenho nomes para eles. Isso não me preocupa.

terça-feira, 26 de junho de 2007

Dores de cabeça

Tenho passado os últimos dias de cama. Alguém perguntou. Não me lembro agora exatamente quem. Alguém perguntou sobre o meu sumiço. Outro achou que eu já tivesse abandonado o blog. Mas a verdade é que de três dias para cá uma crise de dores de cabeça vem me deixando arriado. Suspeito que seja da visão. Exijo demais dos olhos. Ainda mais com a obsessão pelos vizinhos. Tendo a transformar tudo em compulsão. Volta e meia me flagro na janela. Binóculo na mão. Deixei de prontidão a máquina fotográfica. Uma maneira que improvisei para ter meus vizinhos a qualquer hora. Dona Vilma. Senhor Arnóbio. Sinto falta deles. Sobretudo de Danuza, que novamente desapareceu. Pensei em ir ao médico hoje. O dia, porém, amanheceu chuvoso. Além da enxaqueca, morri de preguiça de sair de casa. Acho que peguei uma virose também. Comprei analgésico com cafeína. Comprimidos vermelhos. São bons. Muito melhores do que os brancos e os amarelos. Os vermelhos. Quero comprar mais. Dois comprimidos para uma dose. O problema é que, assim que melhoro, corro à janela. Meia hora depois a cabeça torna a doer. Grande ironia do destino. Meu maior prazer acaba por me conduzir ao sofrimento.

sexta-feira, 22 de junho de 2007

Danuza

Danuza habita o apartamento do primeiro andar do bloco dos fundos. Uma bela mulher, apesar da aparência e costumes decadentes. Raro sua janela estar aberta. Fica semanas fechada. Chego a pensar que ela se mudou ou morreu. Fico preocupado. Minha condição de estranho e invisível me impede de ir perguntar sobre ela. Sinto falta de ver Danuza. Não pelo fato de ela andar praticamente despida. Às vezes de calcinha e soutien. Ás vezes só de calcinha. Certa noite, flagrei o corpo de Danuza totalmente nu. Não me excito ao ver Danuza se masturbando no sofá para quem quiser ver. Sua obstinação pelo sexo, pelo gozo estranhamente não estimulam minha libido. Talvez porque eu tenha ao mesmo tempo a visão do apartamento do senhor Arnóbio e de dona Vilma. Acredito que Danuza também não ficaria excitada ante a tristeza dos vizinhos. O que sinto com relação a Danuza é de difícil definição, mas não envolve pênis nem coração.

terça-feira, 19 de junho de 2007

Dona Vilma



Debaixo de senhor Arnóbio, mora uma mulher extremamente obesa. Batizei-a dona Vilma. Mudou-se para cá recentemente. Sua sala ainda está bagunçada. Há muitos móveis e objetos fora do lugar. Vejo um pequeno aquário vazio junto a um aspirador de pó. A toalha sobre a mesa é uma rede de balanço. Caixas de papelão empilhadas a um dos cantos. Dona Vilma tem um papagaio estridente. Quando ela está em casa, mantém a gaiola bem perto da janela. O bicho sobe no pára-peito. Caminha de um lado ao outro. Consigo identificar daqui a corrente presa na sua pata. É o tipo do animal que se acostumou ao cárcere. Bicho velho de cidade grande. Não tenta mais fugir. Sabe que não teria para onde ir. Aqui é tudo muito apertado. Às vezes, fico puto com dona Vilma por causa do papagaio. Nossas felicidades são excludentes entre si. Quando ele está alegre, incomoda-me profundamente. Para eu ficar totalmente satisfeito, teria que o cozinhar numa panela de pressão. Mas pelo que percebo o papagaio é uma das poucas alegrias de dona Vilma. Uma mulher abandonada a si mesma. Tão ou mais sozinha que o senhor Arnóbio. Acho que no fundo meus vizinhos me instigam compaixão.

segunda-feira, 18 de junho de 2007

Senhor Arnóbio

Dos apartamentos da coluna dos fundos, o do terceiro andar fica aprumado com minha janela. Ali mora um senhor idoso. Solitário. Eu o chamo Arnóbio. Óbvio que ele não sabe disso. Lembra-me um professor de história que tive na quinta ou sexta série. Lento. Metódico. Vive afastando os móveis da parede. Ajeitando os quadros. Parece que mantém a casa arrumada à espera de visitas. Visitas que nunca vêm. Ou visitas-fantasma. O senhor Arnóbio tem a cara muito enrugada. Aparência de que morrerá a qualquer momento. Dormindo. Num espirro. Praticamente troca de roupa só para sair com o cachorro, um puddle escandaloso. Ouço seus latidos daqui de cima. Às vezes, quando acordo cedo e saio para comprar pão, encontro o senhor Arnóbio. Ele não me conhece. Sequer suspeita que espreito sua intimidade. Seu caminhar zumbi me comove. O cachorro segue indiferente. Forçando a condição do dono.

domingo, 17 de junho de 2007

O prédio em frente ao meu



O prédio em frente ao meu tem três colunas de apartamentos. Cada coluna com três andares. Na verdade, há uma quarta coluna, mas fica difícil ver da janela do meu apartamento. O meu contato visual é perfeito com a última, os fundos do prédio. Os apartamentos da penúltima são visíveis, mas perco alguns detalhes. Dos da antipenúltima, não consigo enxergar o interior. Avisto os moradores somente quando eles estão na janela. A quarta coluna fica na frente do prédio. As janelas dão para a rua Prof. Thales de Freitas, onde também fica o meu prédio. Uma rua aparentemente calma, que na hora do rush se transforma num inferno. Por volta das seis da tarde se forma um engarrafamento na Monte Castello. O congestionamento causa ressonâncias na Prof. Thales de Freitas. A depender do volume de carros, o caos no trânsito prossegue pelo Lanat, Nazaré e chega à Barão de Macaúbas.

sábado, 16 de junho de 2007

Da janela do meu apartamento

Da janela do meu apartamento, tenho por espetáculo a vida dos moradores do prédio em frente. Coisa banal em cidade grande. Convivemos com pessoas cujos nomes desconhecemos. Mas conhecemos seus hábitos diários. Sabemos a que horas chegam, a que horas saem. Quando estão acordadas, quando vão dormir. Sabemos se estão felizes ou tristes. O que comem. Como se vestem. Sabemos os seus gostos. Se almoçaram ou fizeram apenas um lanche. Sabemos tudo e não sabemos nada ao mesmo tempo. É um convívio forçado. Não escolhemos nossos vizinhos. Podemos dar a sorte de morar em frente a um senhor de idade viúvo. Silencioso. Não recebe visitas. Sua existência é quase imperceptível. Só o vemos na rua com o cachorrinho. Podemos ter o azar de morar em frente a um baterista. Um inferno. Dias sem tranqüilidade. Noites de insônia. Incontáveis amigos dele vêm beber e se drogar madrugada adentro. Mas, qualquer que seja o vizinho, aprendemos a odiá-lo por algum motivo. Há algo nele que nos irrita profundamente. Fecha a janela com violência. Ouve música alto demais. Talvez o que incomode mais seja o simples fato de ele existir. Ou, por outro lado, talvez seja o fato de darmos muita importância a existência dele. De notarmos que ele existe. De sua existência despertar nossa curiosidade.